Saturday, April 21, 2007

Carros abandonados no Prado

Saiu no Vrum uma matéria sobre os carros abandonados no Prado.
Clique aqui para ver a matéria no site, ou se preferir leia abaixo.

Abandonados - Parados no tempo
Daniel Camargos - Estado de Minas

Algumas pessoas têm tanto apego por seus automóveis que não se desfazem deles, nem quando não conseguem mais rodar. Só no bairro Prado, em Belo Horizonte, são cinco casos, cheios de histórias

Belmiro, o amanuense, personagem do romance de Cyro dos Anjos, havia tomado vários chopes no Centro de Belo Horizonte. Era véspera de Natal. Pegou o bonde e desceu na Rua Erê, no Bairro Prado, onde morava, junto com Francisquinha e Emília, e se pôs a divagar no alpendre. Sentado na velha cadeira austríaca, o pensamento ia longe, enquanto observava os transeuntes: "Uma fauna humana muito reduzida". O escritor encerra o capítulo três com os devaneios de Belmiro e uma citação do poema "Cota zero" de Carlos Drummond de Andrade: "Stop. / A vida parou / ou foi o automóvel?". A primeira edição de O amanuense Belmiro é de 1937, publicada sete anos depois do primeiro livro de Drummond, Alguma poesia, que inclui o poema citado.

Depois de 70 anos, quem anda pelo mesmo Prado de Belmiro pode concluir que foram os automóveis que pararam. O pensamento seria apenas uma licença poética, mas fundamentado nos cinco carros arraigados no solo do bairro de ruas com nomes de pedras e gemas ganha tom real, colorido pelas nuanças do imaginário. Um Plymouth, uma Volkswagen Kombi, um Buggy, um Chevrolet Opala e um Ford Escort são muito mais do que alguns veículos no meio do caminho.



Na antiga construção do número 87 da Rua Turfa, falta cor ao conjunto casa-automóvel. O Plymouth de 1950 está parado no que seria o jardim, desde o início da década de 1970. A lataria enferrujada compõe um quadro grotesco com as grades acima do muro, também deterioradas. O mato cresce desordenado pelas brechas de concreto. O amarelo do pouco de canjiquinha espalhada na mureta salta aos olhos e indica que há vida ali. É um agrado de Willian Araújo, de 58 anos, morador da casa e neto do comprador do carro, aos passarinhos que sobrevoam a área.
O estado do automóvel e da casa desperta a curiosidade dos vizinhos e causa bafafá no quarteirão. O dono da padaria ao lado garante que ali não mora ninguém. Dois pedreiros que reformam o imóvel da frente atentam para a quantidade de gatos que freqüentam a casa. Willian, desconfiado, atende o repórter, mas não abre a porta.

À distância, Willian conta que o carro era uma versão de luxo, equipada com rádio a válvula e que, quando o estacionou, a idéia era consertá-lo, mas foi adiando e o veículo permaneceu ali, parado. Apesar de ter sido de seu avô e de se pai e de ele também ter dirigido o carro, Willian garante que ele não tem mais valor sentimental e mais de três décadas depois afirma ter "urgência para tirar" o carro do quintal.

A desconfiança diminui e Willian lembra quando outro automóvel bateu no Plymouth. "Estava atrás de um ônibus, que parou de uma vez. Eu parei atrás e veio uma Variant e acertou a traseira. A Variant ficou toda amassada e o Plymouth nem arranhou", recorda. Ele completa, apontando para o pára-choque da lata-velha e diz que é "uma lâmina de aço que, se cair no pé de alguém, corta-o ao meio".Na frente do carro, o farol esquerdo está quebrado, falta a letra eme do Plymouth e no lugar dos vidros estão cartazes publicitários. O interior está depredado, pois teve o rádio e instrumentos roubados. Willian amarrou a tampa do capô com uma corrente, para não mexerem no motor, mas perdeu a chave do cadeado. Alteração mesmo só os dois adesivos de rádios populares no vidro traseiro. "Achei bonito e resolvi colar. Também gosto de escutar essas rádios", justifica.

Polêmica
Subindo a Rua Turfa e seguindo alguns quarteirões pela Rua Oeste até a Rua Calcedônia, encontra-se uma Kombi de 1978. Na esquina, três amigos conversam e atribuem a alta da gasolina a vinda do presidente George W. Bush ao Brasil. A assertiva é consensual, mas eles não chegam a um acordo se a Kombi está ou não parada. De acordo com o Detran, o último IPVA pago foi o de 1999. Pelo volume de pétalas de flores da quaresmeira roxa e de folhas que se acumulam sobre a lataria e no entorno da Kombi, faz tempo que ela permanece imóvel como rocha na Rua Calcedônia.



Um dos amigos diz que uma vez ou outra o dono sai com o veículo para dar umas voltas. Outro diz que é mentira, que ele só fala isso porque é amigo dos donos e que, na verdade, faz alguns anos que ela está imóvel. O terceiro pergunta o número da placa do Plymouth da Rua Turfa para uma aposta no jogo do bicho. Selimar Fonseca Lopes, proprietária da Kombi, encerra a questão e diz que sempre sai com a Kombi, mas que a estaciona na rua, porque ela não cabe na garagem.

Correntes, espíritas e promessas
Opala e Buggy estão amarrados para evitar ação de ladrões e reservar vaga na rua. Escort espera herdeiro criar juízo para ser consertado, mas dono planeja vendê-lo

Fim de tarde de sexta-feira, na esquina das ruas Chopim e Coronel Pedro Jorge, no bairro Prado, em Belo Horizonte. Um garoto com uniforme escolar passa soltando bombinhas e assustando as poucas pessoas que se arriscam sob o Sol abrasador do meio da tarde. O menino se empolga e pára em frente ao número 21: "Que Buggy velho doido", diz enquanto bisbilhota o interior do veículo. É sempre assim. Pelo menos há 12 anos, tempo que o Buggy está parado na porta da casa de José Alberto Teixeira, em frente a um Chevrolet Opala. "Muita gente quer comprar. Oferecem R$ 600 ou qualquer mixaria. Não preciso do dinheiro e prefiro deixá-lo parado", explica José Alberto.



Na década de 1980, o que unia o Opala ao Buggy com chassi de Volkswagen Brasília era um cambão. O dispositivo usado para rebocar o Buggy nas viagens que José Alberto fazia anualmente entre Belo Horizonte e Cabo Frio, na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, pega o nome emprestado do utilizado nos carros de bois. O artefato foi substituído e o que prende um veículo ao outro, agora na ordem inversa, com o Buggy na frente do Opala, são uma corrente e um cadeado.

A tradição das correntes vem de longa data. José Alberto lembra que sempre que trocava de namorada mudava de carro, e que em 1979 comprou o Opala, com apenas mil quilômetros rodados. Logo depois, comprou também o Buggy, que ele chama de Bugre, em referência a uma fábrica de buggys fluminense. A curtição dele era passar a temporada de férias em Cabo Frio, onde alugava um apartamento. Ia com o Opala puxando o Buggy com o cambão. "Ficava em um apartamento que tinha uma varanda e um poste em frente. Quando chegava lá, amarrava os dois carros com corrente no poste. O Opala ficava preso quase o mês todo, pois eu andava mesmo era com o Bugre", recorda.

Advogado e ex-juiz de futebol, José Alberto atualmente é comentarista esportivo e dono de dois dos cinco carros parados nas ruas do Prado. Cuidadoso, explica que, mesmo com as baterias arriadas, não abre mão da corrente. "Se desamarrar eles (os ladrões) levam embora. O índice de assaltos aqui no bairro é muito alto", explica.

Mas o que irrita mesmo José é o centro espírita na frente de sua casa, que atrai os fiéis e vários carros. Por isso, o Buggy e o Opala funcionam também como escudos contra o movimento dos que querem estacionar no local. "Tem dia que chego no fim da tarde e custo a entrar na garagem. Então, estacionei os dois carros de forma que deixo espaço para a entrada da garagem", explica. "Assim, fico com vaga permanente ali", completa o advogado.Além dos dois carros que compõem a paisagem da rua, o ex-juiz de futebol tem um Kadett de 1990 e um Opala de 1980 modificado, ambos parados. Tem também um carro que usa no cotidiano, mas esses três ficam na garagem. Porém, a intenção dele é reformar o Buggy e levá-lo para a cidade de Congonhas, na Região Central, onde se sente seguro para andar com um carro sem capota.

O mato que cresce por dentro da caixa de roda do Ford Escort Ghia dá idéia de abandono. Mas, com um olhar complacente, percebe-se o cuidado na lona que protege o interior, no lugar do vidro lateral que não existe mais. A história do Escort parado na esquina das ruas Pedra Bonita e Turquesa há mais de três anos remete a um caso de família.



Quando o carro estragou, o pai prometeu ao filho que consertaria assim que ele criasse juízo. Os anos se passaram, o mato cresceu, os faróis foram quebrados, a placa arrancada, o bocal de abastecimento também, os pneus esvaziaram e a idéia do pai é vender o carro para o ferro-velho. "A presença do carro traz ansiedade para o rapaz e devo tirá-lo da rua", explica.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Pixaram o Opala da rua Shopim
isso é um absurdo.
Estes meninos devem pagar pelo prejuizo material e pelas nossas lembranças

24 June, 2007 07:27  

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